A polícia pode visualizar as conversas do Wathsaap no celular do detetive particular?

Essa é uma pergunta muito comum feita pelos alunos do curso de formação de detetive particular que ministro na Academia de Inteligência.

A comunicação e a informação instantânea disponibilizadas pela internet através de aplicativos e redes sociais são fundamentais para o trabalho do profissional de investigação e inteligência.

Com alguns poucos cliques nos Smartphones é possível em alguns segundos levantar informações importantes sobre alvos e suspeitos, onde muitas dessas informações são de domínio público.

No caso do aplicativo do Wathsaap a sua utilização é feita para comunicação entre os agentes de investigação e para envio de dados e imagens em tempo real.

É perceptível a inquietação e preocupação dos iniciantes na carreira de detetive particular quando o assunto é abordagem policial. O tema abordagem policial é debatido com exaustão durante o curso, uma vez que a possibilidade de uma abordagem policial durante a realização de uma campana é de até 80%. O comportamento pessoal do detetive e investigador particular durante uma campana é fundamental para diminuir ou praticamente zerar a chance de uma abordagem policial. Geralmente esse tipo de abordagem é feito pela Polícia Militar que é uma polícia de presença e que realiza um trabalho ostensivo de segurança. Mas há situações em que o detetive é obrigado a se expor de tal maneira que por mais experiente que seja, é inevitável escapar de uma abordagem policial durante a realização de uma campana. E para quem já atua na profissão, sabe que a abordagem policial é provocada por três situações: A primeira quando os comerciantes e seguranças locais da região onde está sendo realizada a campana se preocupam com a presença de uma ou mais pessoas estranhas em atitudes suspeitas circulando pela região, seja a pé ou em veículos, e acionam a autoridade policial para checar o que está acontecendo.  A segunda, quando os moradores locais têm a mesma percepção que os comerciantes e resolvem acionar a polícia também. E a terceira ocorre, quando a autoridade policial ao fazer a ronda de rotina percebe a presença de pessoas estranhas e suspeitas circulando, parada em locais ou dentro de veículos.

É importante ressaltar que o trabalho da polícia militar (Polícia de presença ostensiva) é preservar a ordem e a segurança do cidadão, e isso inclui a nossa também. Por isso, é importante que o detetive particular não somente compreenda o trabalho da polícia, mas que também colabore com o trabalho da mesma. E isso inclui quando solicitado a apresentação de documentos pessoais, do veículo e principalmente a permissão da revista pessoal e do veículo também. O detetive particular mesmo em serviço, não está isento deste tipo de abordagem e checagem. Até porque, para o policial todos são suspeitos até que se prove o contrário.

Ocorre que durante a checagem de documentos e revista por parte da autoridade policial pode ocorrer também a tentativa de checagem das informações contidas no celular com a finalidade de investigar o suspeito (detetive particular). Isso não quer dizer que é algo comum, mas em alguns casos pode o detetive particular se deparar com este tipo de situação.

Então para conhecimento de todos a Lei n. 9.296 regulamenta o tratamento das comunicações telefônicas de qualquer natureza bem como sua interceptação, deixando explícita em seu artigo 1º, caput, a imprescindibilidade de autorização do órgão jurisdicional para tanto. Alguns entendem que sua aplicação é restrita aos casos de ligações (conversações por voz à longa distância), não se aplicando aos meros “dados” de comunicações, entendendo ser o caso do WhatsApp.

Segundo os mesmos o acesso aos dados contidos no WhatsApp não detém o mesmo impedimento da interceptação telefônica da Lei 9.296/96, porque não gozam da mesma proteção constitucional que dispõe o inciso XII do artigo 5º: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

Todavia, tal entendimento não há qualquer coerência, visto que os dados trocados entre os emissores e receptores da mensagem são ínsitos à intimidade e vida privada dos mesmos, cuja inviolabilidade é também assegurada constitucionalmente no artigo 5º, X.

Portanto, este pensamento está ultrapassado, tendo em vista que as mensagens instantâneas do referido aplicativo devem sim ser consideradas como uma comunicação telefônica – via internet – e, portanto, inseridas no resguardo da Lei n. 9.296, legislação esta de 1996, a qual deve ser interpretada de acordo com os avanços tecnológicos desde então. Logo, a referida legislação, segundo sua essência, deve proteger igualmente as comunicações telefônicas (diversas das ligações) que abrangem a intimidade e a privacidade das pessoas.

Isso quer dizer que:  O indivíduo (detetive particular)  não pode ter sua privacidade absolutamente escancarada com o acesso irrestrito da autoridade policial  nos dados do WhatsApp do referido smartphone, sem a autorização judicial.

Num caso recente, o Superior Tribunal de Justiça, através da 6ª Turma, entendeu que é ilegal o acesso às informações, dados e mensagens contidas no aplicativo WhatsApp do preso. A polícia não pode apreender o celular, mesmo em prisão em flagrante delito, e verificar o conteúdo do WhatsApp do preso.

A Decisão tem respaldo jurídico nos termos constitucionais que tratam das garantias ao sigilo das comunicações, cujas garantias foram regulamentadas e reforçadas pela Lei 12.965/14 (Lei que regulamentou o uso da internet no Brasil).

O entendimento foi no sentido de que constitui violação à intimidade do preso, portanto, como já ocorre nos casos similares em relação a ”interceptação telefônica”, só será possível o acesso ao conteúdo do WhatsApp com autorização judicial.

E isso vale para o detetive particular também.

Para análise jurídica da Decisão publicada em 19/04/2016, consultar o RHC 51531/STJ, da lavra do Ministro Nefi Cordeiro.

Ementa da Decisão:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DA PROVA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA A PERÍCIA NO CELULAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.

1. Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de WhatsApp, obtidas diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial.

2. Recurso ordinário em habeas corpus provido, para declarar a nulidade das provas obtidas no celular do paciente sem autorização judicial, cujo produto deve ser desentranhado dos autos.

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