Anular provas é cada vez mais difícil, e defesa tem que vencer no mérito

BRASÍLIA — Castelo de Areia, Satiagraha e Banestado são passado. Em dois anos, a Lava-Jato pôs fim à era das operações anuladas em tribunais superiores, impôs um ritmo inédito à Justiça brasileira e virou de cabeça para baixo a realidade dos escritórios de advocacia penal. Sob forte demanda e com honorários na casa dos milhões, bancas de grande e médio porte tiveram que sofisticar os argumentos de defesa e incrementar os recursos à disposição dos clientes para fazer frente à operação.

Até hoje, decisões do juiz Sérgio Moro, à frente dos processos da Lava-Jato na primeira instância, têm ganhado de lavada nos tribunais superiores: até meados de janeiro, apenas 3,8% de suas decisões foram revistas. Nenhuma delação até agora foi anulada. Procuradores e policiais estão mais cuidadosos. O uso indevido de provas enviadas pela Suíça contra a Odebrecht, por exemplo, poderia ter provocado nulidade. Ao perceber a possibilidade, a Procuradoria-Geral da República recuou e pediu ao STJ uma consulta àquele país sobre como usar o material.

Atenção às ilegalidades

Embora tenham reclamado da Lava-Jato, até com uma carta aberta divulgada em janeiro, os próprios advogados admitem que a maior dureza do STJ e do STF tem a ver com a crescente sofisticação de juízes de primeira instância e de procuradores da área criminal.

— A Lava-Jato dificilmente será inteiramente anulada. Pode haver anulação numa parte ou noutra, numa delação, mas não em tudo — admite Antonio Carlos Castro, o Kakay, advogado com mais clientes na Lava-Jato e que tem no currículo a anulação da Satiagraha.

Se, no passado, a anulação de provas era uma arma poderosa de defesa, advogados cada vez mais têm que vencer no mérito, ou seja, convencer os tribunais de que não há elementos para a condenação. Com oito clientes na Lava-Jato, Pierpaolo Bottini faz coro:

— As autoridades passaram a ser mais cuidadosas com potenciais ilegalidades.

As mudanças colocaram em xeque o advogado que prometia um habeas corpus ou a nulidade de uma ação em tribunais superiores apenas em decorrência de suas boas relações em Brasília. Hoje, isso é vender terreno na Lua. Embora a delação premiada de Delcídio Amaral possa ter contribuído, quem o soltou, com um recurso apresentado ao ministro do STF Teori Zavascki, foi Luís Henrique Machado, advogado de 34 anos.

— Cada vez mais os ministros têm se declarado impedidos de julgar habeas corpus impetrados por advogados amigos, para limitar conflitos de interesses — explica Davi Evangelista, sócio do escritório que atende ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Luís Henrique e Davi fazem parte de uma nova geração da advocacia, que emerge graças à Lava-Jato. Advogados de 30 a 40 anos que não se importam com jornadas de trabalho de até 20 horas. Com dez clientes na operação, Rodrigo Mudrovitsch viaja a quatro estados por semana. Seu escritório, com 25 advogados, cresceu 30% no último ano:

— Contratamos mais pessoal para dar conta da capilaridade que o novo momento exige. Hoje, um delegado em Curitiba pede um depoimento em Manaus e isso ocorre no dia seguinte. Preciso ter um advogado para ir lá.

A tecnologia é aliada dessa nova geração. Os 11 advogados envolvidos na defesa de Cunha e família se comunicam por meio do aplicativo WhatsApp. Cunha sempre dá palpites.

Recursos tecnológicos também têm ajudado a fortalecer a defesa. Escritórios envolvidos na Lava-Jato têm recorrido a especialistas, como contadores, peritos de informática, analistas de sigilo telefônico, firmas de investigação particulares e de levantamento patrimonial.

Nabor Bulhões, coordenador da defesa da Odebrecht, terceiriza o serviço de análise de informação de alguns de seus clientes para firmas especializadas em organizar dados em gráficos de fácil visualização, para o uso em tribunais. Esse tipo de trabalho é acionado até por empresas que ainda não estão na operação, mas sabem que serão arroladas em breve.

— Analiso 300 mil telefonemas e consigo dizer que o cliente conversou com A, B ou C em X ocasiões. Esse tipo de análise dá argumento à defesa — explica Marcelo Stopanovski, dono de uma dessas empresas e doutor em Ciência da Informação pela UnB.

Por: POR GUILHERME AMADO

Fonte; O globo

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